Ailton Sousa, Denise Pires, Érica Jeffery, Natália
Esteves e Pedro Ferreira
Felicidade!
Passei no vestibular
Mas a faculdade
É particular
Particular!
Ela é particular
Particular!
Ela é particular
Livros tão caros
Tanta taxa prá pagar
Meu dinheiro muito raro
Alguém teve que emprestar
O meu dinheiro
Alguém teve que emprestar
O meu dinheiro
Alguém teve que emprestar
Morei no subúrbio
Andei de trem atrasado
Do trabalho ia prá aula
Sem jantar e bem cansado
Mas lá em casa à meia-noite
Tinha sempre a me esperar
Um punhado de problemas
E criança prá criar
Para criar!
Só criança prá criar
Para criar!
Só criança prá criar
Mas felizmente
Eu consegui me formar
Mas da minha formatura
Não cheguei participar
Faltou dinheiro prá beca
E também pro meu anel
Nem o diretor careca
Entregou o meu papel
O meu papel!
Meu canudo de papel
O meu papel!
Meu canudo de papel
E depois de tantos anos
Só decepções, desenganos
Dizem que sou um burguês
Muito privilegiado
Mas burgueses são vocês
Eu não passo de um pobre coitado
E quem quiser ser como eu
Vai ter é que penar um bocado
Um bom bocado!
Vai penar um bom bocado
Um bom bocado!
Vai penar um bom bocado
(Martinho da Vila, “O Pequeno Burguês”)
Ao longo deste primeiro
semestre de 2013, a turma de calouros do curso de Jornalismo da Universidade
Federal de Goiás (UFG) embarcou em uma montanha-russa de acontecimentos. Não
bastasse a própria entrada na universidade em si, os novos rostos, as novas
amizades, os novos professores, a despedida do Ensino Médio, o distanciamento
dos amigos que escolheram outros cursos ou que não conseguiram êxito no
vestibular, a nova rotina matutina, o novo trajeto no caminho de casa até o
campus, enfim, não bastasse todo esse conjunto de mudanças, esses jovens
aspirantes a jornalistas vivenciaram: uma reestruturação do Centro Acadêmico;
eleições para coordenador do curso; eleições para reitor da universidade;
discussões acerca de eventuais mudanças na grade curricular do curso; a mudança
do nome da faculdade, que deixará de se chamar Faculdade de Comunicação e
Biblioteconomia (FACOMB) para se chamar Faculdade de Informação e Comunicação
(FIC); protestos contra o aumento das tarifas do transporte público em Goiânia;
a solidariedade e o engajamento dos colegas nas manifestações contra o aumento
da tarifa do transporte público, alguns tendo sido feridos e até mesmo presos em
função dos embates contra as tropas de choque das polícias; manifestações
públicas nacionais que levaram milhões às ruas – movimento semelhante, mas ainda
mais arrebatador do que o das “Diretas Já” de 1984, quando a maioria desses
calouros nem sonhava nascer. Some-se a tudo isso os altos e baixos das
disciplinas que cursaram neste semestre, o desânimo de alguns, a desistência e
posterior desligamento de outros. Como estaria o imaginário desses calouros?
Como entender o seu comportamento diante de todas essas mudanças? Os parágrafos
e diálogo a seguir procuram munir o leitor para responder a essas e outras
perguntas, provocando-o, levando-o à reflexão e a novos questionamentos a
respeito da problemática da socialização de calouros no contexto do mundo
universitário.
Alunos do
primeiro período de Jornalismo da UFG em momento de socialização durante visita à Fazenda Babilônia, Pirenópolis. |
Ensino Fundamental,
Ensino Médio, Ensino Superior e mercado de trabalho. Antiguidade Clássica, Idade
Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea. Propositadamente ou não, a nomeação
utilizada na categorização oficial das diferentes etapas da educação brasileira
é, sim, valorativa. Uma das extrapolações possíveis seria a analogia entre tal
classificação e aquela comumente aplicada à divisão da História da humanidade.
Do Ensino Fundamental, extraem-se os fundamentos greco-romanos do pensamento
intelectual do Ocidente. Ao atravessar o Ensino Médio, ilude-se a adolescência
com as sombras de um pensamento pronto e utilitário, cujo objetivo único é o
sucesso no competitivo vestibular. Chegando ao Ensino Superior, convida-se a
juventude a trazer à luz o seu conhecimento encaixotado, desafiando-a a pensar
por si mesma. Sapere aude! Um período de transição por excelência, o
Ensino Superior prepara o jovem para o cobiçado mercado de trabalho. Fim da
História: contemporâneos da vida adulta, a formação de uma família, a conquista
de trabalho, bens e um relativo sucesso profissional mostram-se como o fim da
linha socializante de todo Homo sapien sapiens inserido em um contexto
capitalista.
Alegadamente o único ser vivo que tem consciência de sua
própria consciência, o ser humano segue o roteiro acima descrito sem muitos
questionamentos. A clássica tríade “Quem sou? De onde vim? Para onde vou?” soa
como um estranho sussurro aos ouvidos do homem ensurdecido pelos ruídos das
máquinas. Sua visão está anuviada pela poluição das chaminés e escapamentos.
Suas mãos deixaram o calor do abraço fraterno e da luta que move a História:
estão por demais ocupadas a bailar pela frieza dos teclados, curtindo e
compartilhando um entretenimento imobilizador. Seu gosto é ditado por outrem.
Seu faro não mais detecta a mais mal cheirosa das injustiças. Forçado a
perpetuar sua menoridade kantiana, o homem rende-se à reprodução de uma lógica
que não lhe é própria, mas que se oferece com tentadora e, por vezes,
irresistível naturalidade. Rende-se, sim, mas não sem dar-se à batalha: o
conflito, nesse contexto, é inevitável; a dúvida, esclarecedora; o
questionamento, libertador.
Um cenário nada esperançoso, cujos ares
naturalizantes provocam certa revolta em degluti-lo. Adicto capitalista, o homem
contemporâneo prefere ceder à alucinógena sensação de conforto, ordem e paz, a
ter que se rebelar contra a repressiva e coercitiva lógica que o algema, que o
coage. A abstinência emancipadora parece um caminho pedregoso e distante, não
mais uma alternativa concreta à competição, à mercantilização e à burocratização
reinantes no pensamento moderno. Quem estaria disposto a romper os grilhões
socializantes da infantilizadora lógica da aprovação/reprovação? Quem estaria
disposto a expor-se à ridicularização, à crítica, à condenação, ao castigo, ao
ostracismo e até à violência física para contestar tais lógicas? Parece ainda
haver esperança, haja vista as manifestações públicas de descontentamento que se
desencadearam nas últimas semanas no Brasil, levando milhões a inúmeras capitais
e cidades interioranas brasileiras. Tal esperança parece poder ser depositada na
juventude, especialmente na juventude universitária, aquela que, apesar de
render-se à lógica competitiva do vestibular, dispõe-se a pensar “fora da
caixa”, numa reinvenção iluminista diária. Relativamente distante do
embebecimento provocado pela inebriante compulsão consumista formadora de
patrimônios faraônicos, a juventude atravessa o pântano existencialista e
potencialmente transformador da lógica socializante capitalista.
Em
2013, cerca de 7 milhões de jovens brasileiros aspiram a vagas universitárias.
Uma mistura heterogênea composta por fases mais ou menos amadurecidas, mais ou
menos politizadas, mais ou menos socializadas, por vezes homogeneizadas como
massa, massa de modelar, massa manipulável. Cada um deles, por influências que
lhes são histórico-particulares, está mais ou menos apto a vencer a sedução
axiológica do funk, do arrocha, do sertanejo universitário, do estrelismo
fugaz das redes sociais. Mais ou menos reprimidos/coagidos pelos agentes da
socialização (família, escola, vizinhos, meios de comunicação, leituras, etc.),
os jovens que obtiverem “sucesso” no vestibular adentrarão as portas da
universidade – um mundo desconhecido, um novo mundo a descobrir e
explorar/povoar. Na universidade, renascem os seus questionamentos da
adolescência, rasga-se o véu que os separa de sua sede epistemológica, sacia-se
a sua fome de saber, ilumina-se o que estava à sombra do tabu e das proibições,
canaliza-se a sua agressividade para os protestantes movimentos politizadores e
sociais. “Carpe, carpe” – urge o sussurro dos poetas mortos, dos que
idealizaram e dos que idealizam a resistência, a revolução, a emancipação.
No samba axionômico de Martinho da Vila, entram em conflito o mito da
felicidade do vestibulando (aprovação no vestibular) e sua dura realidade
social. O conflito do jovem que entra em uma universidade, mas que,
paradoxalmente, precisa pagar para permanecer ali, para garantir a pretensa
universalidade da instituição. O conflito do jovem que não tem dinheiro para
pagar o que, na verdade, lhe seria um direito, e que, compulsoriamente, vê-se
obrigado a uma vida de endividamento. Endividamento não só para pagar as
mensalidades, mas também para saldar as contas de casa, para sustentar a
prematura paternidade. Endividamento e trabalho, emprego, ou melhor,
sub-emprego. Fragilidade e dependência diante de uma realidade de subúrbio
carente e de um transporte público decadente. Ausente na formatura, mais uma vez
em função da falta de dinheiro, não teve a honra de receber o suado diploma das
mãos do diretor. Tantas decepções e desenganos para, uma vez formado e tendo
alcançado alguma estabilidade financeira/profissional, ser rotulado como
“burguês” ou “privilegiado”. Mas, ao final do poema, as particularidades de sua
história o levam à auto-reflexão e consequente auto-afirmação reconhecedora da
realidade socializante capitalista: “Eu não passo de um pobre coitado / E quem
quiser ser como eu / Vai ter é que penar um bocado”.
Estaria o jovem
universitário preparado para explorar esse novo mundo? Quais as dificuldades que
ele encontraria diante da realidade socializante em que se insere? Quais os
percalços teria ele enfrentado em sua trajetória “atlântica” rumo ao além-mar
universitário? Que pressões ainda sofre por parte de seu núcleo familiar?
Estaria ele sujeito a pressões por parte das autoridades universitárias? Sua
identidade estaria ameaçada pela repressão/coação dos colegas universitários?
Sua afeição por este ou aquele grupo determinaria sua trajetória estudantil?
Teria ele escolhido “o curso certo” ou, refraseando o clichê, o curso de seu
rio-vida estaria realmente de acordo com aquilo que lhe é próprio e natural
enquanto indivíduo? Ou suas escolhas teriam sido resultado de
repressões/coações, alegadamente atribuídas como “naturais” ou “certas”,
servindo, na verdade, à lógica familiar (e, por extensão, à lógica capitalista),
castrando sua autonomia, suas opções, suas liberdades individuais? Seria a
universidade apenas um ensaio para o que há de vir, isto é, uma série de
repetições mecanizadoras que preparariam o jovem para o seu futuro como
profissional? Ou a universidade teria esse papel revelador e libertário?
Socialização na UFG
O processo de socialização trabalha a relação
indivíduo-sociedade de forma contínua e dinâmica, ou seja, as ideias e valores
estabelecidos pelo coletivo passam a constituir o sujeito. Tal elo se dá nos
primórdios da infância, constituindo a socialização básica. Entretanto, ao longo
da vida, ao se deparar com situações novas e diversas que demandam adaptação, o
indivíduo inicia o processo de ressocialização, que se relaciona à preparação
para carreira profissional e responsabilidades sociais. A juventude, considerada
o “tempo das mudanças”, é o momento de arriscar e experimentar escolhas, cabendo
à ida para universidade, um importante desafio na vida do ser humano.
Os
primeiros contatos com a universidade são de grande valia para a formação
acadêmica do calouro, já que estudos revelam que estudantes que apresentam maior
facilidade de integração à vida universitária, têm mais chances de crescimento
intelectual e pessoal se comparados àqueles que encontram dificuldade de
adaptação à nova realidade. Assim, ajustar-se à academia participando de
atividades sociais e desenvolvendo relações interpessoais satisfatórias permite
uma socialização com os indivíduos desse novo contexto, corroborando com o
professor Nildo Viana, que afirma “que a socialização é o processo no qual, por
um lado, o indivíduo se torna um ser social e, por outro, se torna um indivíduo
integrado em determinadas relações sociais”.
O acesso à universidade
implica em uma série de transformações nas redes de amizade e de apoio social
dos jovens estudantes, competindo à comunidade acadêmica a ação de oferecer
atividades que promovam a socialização entre os alunos e a integração deles no
meio universitário.
Na FACOMB, além das atividades acadêmicas inerentes
à apresentação das disciplinas aos ingressos, foram oferecidas inúmeras
oportunidades de entretenimento e informação a estes durante a “Semana de
Integração do Calouro”. Apresentação do perfil das profissões, encontros com
membros das entidades estudantis, conversas entre estudantes, professores e
coordenadores dos cursos, foram algumas das ações desenvolvidas. O tradicional
“Show de Calouros” encerrou a programação, proporcionando a convivência
harmônica entre calouros e veteranos dos cursos de Jornalismo, Publicidade e
Propaganda, Relações Públicas, Biblioteconomia e Gestão da Informação.
Henrique Gebran, acadêmico do 1º período de Engenharia Mecânica da UFG,
considera o habitual trote como o primeiro momento de integração dos alunos ao
ambiente universitário: “o trote é um momento de socialização em que conhecemos
nossos veteranos e alguns dos colegas com quem iremos conviver nos próximos
anos”, afirma. Apesar de relatar não ter enfrentado dificuldades durante a fase
de socialização na universidade, o entrevistado declara que a liberdade
proporcionada por esta, e antes controlada no ensino médio, ajuda no
amadurecimento dos estudantes: “Essa questão nos permite fazer muitas escolhas,
e todas têm consequências, com isso, aprendemos a tomar decisões e nos tornarmos
mais responsáveis”.
A promoção de eventos que permitem a interação entre
unidades acadêmicas distintas, como festas, ensaios de bateria e
treinamento/competição em diversas modalidades esportivas é rotineira. A mãe de
Henrique, afirma que a família além de apoiar a nova rotina do estudante, deve
ter curiosidade em conhecer as relações vividas dentro do ambiente universitário
“existe preocupação porque ele está entrando em um ambiente novo”, demonstrando
assim uma ligação entre o ambiente universitário e o núcleo familiar.
A
socialização entre alunos e instituição é o que faz a universidade, já que o
indivíduo passa a ser instrumento de manutenção e transformação da socialização,
pois o socializado é também quem socializa.
- VIANA, Nildo. Introdução à Sociologia. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. p. 105 - 118.
- COSTA, Fabiano. Enem 2013 terá 7,1 milhões de candidatos, diz Mercadante [Internet]. Brasília,G1. Publicado em: 07/06/2013. Visitado em: 29/06/2013. Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/enem/2013/noticia/2013/06/enem-tera-71-milhoes-de-candidatos-diz-mec.html
Boa tarde
ResponderExcluirMuito interessante, estou a trabalha num tema semelhante para a minha dissertacao de mestrado.