Rádio Germinal

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Socialização do Povo Muçulmano

O Islã é a religião que mais cresce no mundo, e estima-se que no Brasil existem entre 70 a 300 mil muçulmanos. São vários os fatores de migração muçulmana; a família de Mariam Habash, por exemplo, veio por motivo de fuga dos conflitos árabe-israelense. Nascida na Palestina, Mariam veio recém-nascida, com seus pais e sua irmã, e desconheciam das tradições cristãs do ocidente. Extremamente tradicionais, tiveram dificuldade em se adaptar aos costumes da sociedade brasileira. Não obstante, algumas tradições consideradas obrigatórias por sua religião foram mantidas.

Mariam pediu para que não fosse exposta, então a entrevista foi feita com sua irmã, Najat Marouf Habash Hammad, muçulmana nascida no Brasil.

·        Como seus pais lhe contam a vida na Palestina?
Sempre que meus pais falavam da Palestina eu imaginava tudo diferente. Mas quando fui pra lá, realmente conheci a verdadeira Palestina, super encantadora. Tudo realmente diferente do brasil e dos nossos costumes. Por exemplo, as mulheres lá tem mais valor que as brasileiras. O marido é obrigado a dar tudo à ela, mesmo que a mulher trabalhe fora, o dinheiro dela não é obrigatoriamente destinado à casa. O marido tem que “bancar” tudo. Lá, por segurem muito o islamismo, nem homens e nem mulheres conhecem o adultério, por ser pecado. Raramente vemos ladrões pois as penas são crueis e realmente são castigados.

·         Em que época vieram? Por que?
Meus pais vieram no ano de 1968, pois antigamente eram muito pobres e não havia muitos empregos, o fato de haver muitas disputas de terras na região também ajudou.

·         Você estudou em escolas especificamente para muçulmanos?
Estudei em escolas normais, pois não havia escolas para muçulmanos ainda.

·         Qual foi primeira empressão da escola normal? Como lidavam com seus costumes?
Era meio complicado, meus pais não aceitaram que tivéssemos amigos, meninas não podem conversar com rapazes, não podem se misturar.Sabíamos que um dia íamos nos casar com árabes e nunca com brasileiros. Nunca iríamos namorar com brasileiros(risos). Às vezes nossas amigas não entendiam isso , já outras achavam normal. Tinham rapazes que até respeitavam e achavam interessante.

·         Uma hora ou outra você teria que lidar com os costumes dos brasileiros, quando tivesse contatos fora da família, como foi essa adaptação?
Nosso contato foi super natural e normal. Amamos o Brasil e respeitamos tudo. Mesmo nossos costumes sendo diferentes, respeitamos e somos respeitados.

·         Hoje, qual a sua relação com o Islamismo? Casamento, trabalho, orações... É tradicional ou as culturas se mesclam?
Hoje sigo o Islã 100%, dou graças a Deus por meus pais nos terem criado nessa religião e terem nos ensinado os costumes árabes, pois chega uma hora que você crece e compara os dois costumes e se reconhece em um. Muitos resolveram seguir os costumes brasileiros, como minha irmã Mariam Habash, mas eu não. Sigo e tenho muito orgulho de ser árabe. Casei com um árabe muçulmano, tenho filhos e até me mudei para a Palestina. Estou aqui à passeio, mas amo lá. Cheguei a me graduar aqui, passei em três concursos públicos, cheguei a lecionar por mais de 3 anos, mas optei por morar na Palestina.

·         Se tiver algo que ache interessante para nossa reportagem, comente sobre.
É interessante as pessoas conhecerem vários costumes, tradições e religiões e depois escolher um, por livre e espontanea vontade, nunca por pressão. Eu me reconheci no Islã e sifo por convicção. E nunca as pessoas julgarem as outras pelo que veêm na TV, pois a TV “mente” (conheçam antes de julgar).



Mesmo com a ausência das respostas da irmã mais velha, por motivos de pessoalidade, podemos afirmar que houveram dois tipos de processos de socialização, um em que Mariam veio ao Brasil e se adaptou à forma de vida do país e às suas tradições, enquanto Najat decidiu por voltar ao país de origem e segue fielmente o Islamismo.



Por: Ana Paula Holzbach, Aymée Torres, Caroline Alvares, Fausto André, Laura Célia Carvalho, Letícia Antoniosi. Matheus Filipe e Tiago Madureira.


Socialização Universitária

Ailton Sousa, Denise Pires, Érica Jeffery, Natália Esteves e Pedro Ferreira






Felicidade!
Passei no vestibular
Mas a faculdade
É particular

Particular!
Ela é particular
Particular!
Ela é particular

Livros tão caros
Tanta taxa prá pagar
Meu dinheiro muito raro
Alguém teve que emprestar

O meu dinheiro
Alguém teve que emprestar
O meu dinheiro
Alguém teve que emprestar

Morei no subúrbio
Andei de trem atrasado
Do trabalho ia prá aula
Sem jantar e bem cansado
Mas lá em casa à meia-noite
Tinha sempre a me esperar
Um punhado de problemas
E criança prá criar

Para criar!
Só criança prá criar
Para criar!
Só criança prá criar

Mas felizmente
Eu consegui me formar
Mas da minha formatura
Não cheguei participar
Faltou dinheiro prá beca
E também pro meu anel
Nem o diretor careca
Entregou o meu papel

O meu papel!
Meu canudo de papel
O meu papel!
Meu canudo de papel

E depois de tantos anos
Só decepções, desenganos
Dizem que sou um burguês
Muito privilegiado
Mas burgueses são vocês
Eu não passo de um pobre coitado
E quem quiser ser como eu
Vai ter é que penar um bocado

Um bom bocado!
Vai penar um bom bocado
Um bom bocado!
Vai penar um bom bocado

(Martinho da Vila, “O Pequeno Burguês”)


Ao longo deste primeiro semestre de 2013, a turma de calouros do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás (UFG) embarcou em uma montanha-russa de acontecimentos. Não bastasse a própria entrada na universidade em si, os novos rostos, as novas amizades, os novos professores, a despedida do Ensino Médio, o distanciamento dos amigos que escolheram outros cursos ou que não conseguiram êxito no vestibular, a nova rotina matutina, o novo trajeto no caminho de casa até o campus, enfim, não bastasse todo esse conjunto de mudanças, esses jovens aspirantes a jornalistas vivenciaram: uma reestruturação do Centro Acadêmico; eleições para coordenador do curso; eleições para reitor da universidade; discussões acerca de eventuais mudanças na grade curricular do curso; a mudança do nome da faculdade, que deixará de se chamar Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia (FACOMB) para se chamar Faculdade de Informação e Comunicação (FIC); protestos contra o aumento das tarifas do transporte público em Goiânia; a solidariedade e o engajamento dos colegas nas manifestações contra o aumento da tarifa do transporte público, alguns tendo sido feridos e até mesmo presos em função dos embates contra as tropas de choque das polícias; manifestações públicas nacionais que levaram milhões às ruas – movimento semelhante, mas ainda mais arrebatador do que o das “Diretas Já” de 1984, quando a maioria desses calouros nem sonhava nascer. Some-se a tudo isso os altos e baixos das disciplinas que cursaram neste semestre, o desânimo de alguns, a desistência e posterior desligamento de outros. Como estaria o imaginário desses calouros? Como entender o seu comportamento diante de todas essas mudanças? Os parágrafos e diálogo a seguir procuram munir o leitor para responder a essas e outras perguntas, provocando-o, levando-o à reflexão e a novos questionamentos a respeito da problemática da socialização de calouros no contexto do mundo universitário.

Alunos do primeiro período de Jornalismo da UFG em momento de
socialização durante visita à Fazenda Babilônia, Pirenópolis.

Ensino Fundamental, Ensino Médio, Ensino Superior e mercado de trabalho. Antiguidade Clássica, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea. Propositadamente ou não, a nomeação utilizada na categorização oficial das diferentes etapas da educação brasileira é, sim, valorativa. Uma das extrapolações possíveis seria a analogia entre tal classificação e aquela comumente aplicada à divisão da História da humanidade. Do Ensino Fundamental, extraem-se os fundamentos greco-romanos do pensamento intelectual do Ocidente. Ao atravessar o Ensino Médio, ilude-se a adolescência com as sombras de um pensamento pronto e utilitário, cujo objetivo único é o sucesso no competitivo vestibular. Chegando ao Ensino Superior, convida-se a juventude a trazer à luz o seu conhecimento encaixotado, desafiando-a a pensar por si mesma. Sapere aude! Um período de transição por excelência, o Ensino Superior prepara o jovem para o cobiçado mercado de trabalho. Fim da História: contemporâneos da vida adulta, a formação de uma família, a conquista de trabalho, bens e um relativo sucesso profissional mostram-se como o fim da linha socializante de todo Homo sapien sapiens inserido em um contexto capitalista.

Alegadamente o único ser vivo que tem consciência de sua própria consciência, o ser humano segue o roteiro acima descrito sem muitos questionamentos. A clássica tríade “Quem sou? De onde vim? Para onde vou?” soa como um estranho sussurro aos ouvidos do homem ensurdecido pelos ruídos das máquinas. Sua visão está anuviada pela poluição das chaminés e escapamentos. Suas mãos deixaram o calor do abraço fraterno e da luta que move a História: estão por demais ocupadas a bailar pela frieza dos teclados, curtindo e compartilhando um entretenimento imobilizador. Seu gosto é ditado por outrem. Seu faro não mais detecta a mais mal cheirosa das injustiças. Forçado a perpetuar sua menoridade kantiana, o homem rende-se à reprodução de uma lógica que não lhe é própria, mas que se oferece com tentadora e, por vezes, irresistível naturalidade. Rende-se, sim, mas não sem dar-se à batalha: o conflito, nesse contexto, é inevitável; a dúvida, esclarecedora; o questionamento, libertador.

Um cenário nada esperançoso, cujos ares naturalizantes provocam certa revolta em degluti-lo. Adicto capitalista, o homem contemporâneo prefere ceder à alucinógena sensação de conforto, ordem e paz, a ter que se rebelar contra a repressiva e coercitiva lógica que o algema, que o coage. A abstinência emancipadora parece um caminho pedregoso e distante, não mais uma alternativa concreta à competição, à mercantilização e à burocratização reinantes no pensamento moderno. Quem estaria disposto a romper os grilhões socializantes da infantilizadora lógica da aprovação/reprovação? Quem estaria disposto a expor-se à ridicularização, à crítica, à condenação, ao castigo, ao ostracismo e até à violência física para contestar tais lógicas? Parece ainda haver esperança, haja vista as manifestações públicas de descontentamento que se desencadearam nas últimas semanas no Brasil, levando milhões a inúmeras capitais e cidades interioranas brasileiras. Tal esperança parece poder ser depositada na juventude, especialmente na juventude universitária, aquela que, apesar de render-se à lógica competitiva do vestibular, dispõe-se a pensar “fora da caixa”, numa reinvenção iluminista diária. Relativamente distante do embebecimento provocado pela inebriante compulsão consumista formadora de patrimônios faraônicos, a juventude atravessa o pântano existencialista e potencialmente transformador da lógica socializante capitalista.

Em 2013, cerca de 7 milhões de jovens brasileiros aspiram a vagas universitárias. Uma mistura heterogênea composta por fases mais ou menos amadurecidas, mais ou menos politizadas, mais ou menos socializadas, por vezes homogeneizadas como massa, massa de modelar, massa manipulável. Cada um deles, por influências que lhes são histórico-particulares, está mais ou menos apto a vencer a sedução axiológica do funk, do arrocha, do sertanejo universitário, do estrelismo fugaz das redes sociais. Mais ou menos reprimidos/coagidos pelos agentes da socialização (família, escola, vizinhos, meios de comunicação, leituras, etc.), os jovens que obtiverem “sucesso” no vestibular adentrarão as portas da universidade – um mundo desconhecido, um novo mundo a descobrir e explorar/povoar. Na universidade, renascem os seus questionamentos da adolescência, rasga-se o véu que os separa de sua sede epistemológica, sacia-se a sua fome de saber, ilumina-se o que estava à sombra do tabu e das proibições, canaliza-se a sua agressividade para os protestantes movimentos politizadores e sociais. “Carpe, carpe” – urge o sussurro dos poetas mortos, dos que idealizaram e dos que idealizam a resistência, a revolução, a emancipação.

No samba axionômico de Martinho da Vila, entram em conflito o mito da felicidade do vestibulando (aprovação no vestibular) e sua dura realidade social. O conflito do jovem que entra em uma universidade, mas que, paradoxalmente, precisa pagar para permanecer ali, para garantir a pretensa universalidade da instituição. O conflito do jovem que não tem dinheiro para pagar o que, na verdade, lhe seria um direito, e que, compulsoriamente, vê-se obrigado a uma vida de endividamento. Endividamento não só para pagar as mensalidades, mas também para saldar as contas de casa, para sustentar a prematura paternidade. Endividamento e trabalho, emprego, ou melhor, sub-emprego. Fragilidade e dependência diante de uma realidade de subúrbio carente e de um transporte público decadente. Ausente na formatura, mais uma vez em função da falta de dinheiro, não teve a honra de receber o suado diploma das mãos do diretor. Tantas decepções e desenganos para, uma vez formado e tendo alcançado alguma estabilidade financeira/profissional, ser rotulado como “burguês” ou “privilegiado”. Mas, ao final do poema, as particularidades de sua história o levam à auto-reflexão e consequente auto-afirmação reconhecedora da realidade socializante capitalista: “Eu não passo de um pobre coitado / E quem quiser ser como eu / Vai ter é que penar um bocado”.

Estaria o jovem universitário preparado para explorar esse novo mundo? Quais as dificuldades que ele encontraria diante da realidade socializante em que se insere? Quais os percalços teria ele enfrentado em sua trajetória “atlântica” rumo ao além-mar universitário? Que pressões ainda sofre por parte de seu núcleo familiar? Estaria ele sujeito a pressões por parte das autoridades universitárias? Sua identidade estaria ameaçada pela repressão/coação dos colegas universitários? Sua afeição por este ou aquele grupo determinaria sua trajetória estudantil? Teria ele escolhido “o curso certo” ou, refraseando o clichê, o curso de seu rio-vida estaria realmente de acordo com aquilo que lhe é próprio e natural enquanto indivíduo? Ou suas escolhas teriam sido resultado de repressões/coações, alegadamente atribuídas como “naturais” ou “certas”, servindo, na verdade, à lógica familiar (e, por extensão, à lógica capitalista), castrando sua autonomia, suas opções, suas liberdades individuais? Seria a universidade apenas um ensaio para o que há de vir, isto é, uma série de repetições mecanizadoras que preparariam o jovem para o seu futuro como profissional? Ou a universidade teria esse papel revelador e libertário?

Socialização na UFG

O processo de socialização trabalha a relação indivíduo-sociedade de forma contínua e dinâmica, ou seja, as ideias e valores estabelecidos pelo coletivo passam a constituir o sujeito. Tal elo se dá nos primórdios da infância, constituindo a socialização básica. Entretanto, ao longo da vida, ao se deparar com situações novas e diversas que demandam adaptação, o indivíduo inicia o processo de ressocialização, que se relaciona à preparação para carreira profissional e responsabilidades sociais. A juventude, considerada o “tempo das mudanças”, é o momento de arriscar e experimentar escolhas, cabendo à ida para universidade, um importante desafio na vida do ser humano.

Os primeiros contatos com a universidade são de grande valia para a formação acadêmica do calouro, já que estudos revelam que estudantes que apresentam maior facilidade de integração à vida universitária, têm mais chances de crescimento intelectual e pessoal se comparados àqueles que encontram dificuldade de adaptação à nova realidade. Assim, ajustar-se à academia participando de atividades sociais e desenvolvendo relações interpessoais satisfatórias permite uma socialização com os indivíduos desse novo contexto, corroborando com o professor Nildo Viana, que afirma “que a socialização é o processo no qual, por um lado, o indivíduo se torna um ser social e, por outro, se torna um indivíduo integrado em determinadas relações sociais”.

O acesso à universidade implica em uma série de transformações nas redes de amizade e de apoio social dos jovens estudantes, competindo à comunidade acadêmica a ação de oferecer atividades que promovam a socialização entre os alunos e a integração deles no meio universitário.

Na FACOMB, além das atividades acadêmicas inerentes à apresentação das disciplinas aos ingressos, foram oferecidas inúmeras oportunidades de entretenimento e informação a estes durante a “Semana de Integração do Calouro”. Apresentação do perfil das profissões, encontros com membros das entidades estudantis, conversas entre estudantes, professores e coordenadores dos cursos, foram algumas das ações desenvolvidas. O tradicional “Show de Calouros” encerrou a programação, proporcionando a convivência harmônica entre calouros e veteranos dos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Relações Públicas, Biblioteconomia e Gestão da Informação.

Henrique Gebran, acadêmico do 1º período de Engenharia Mecânica da UFG, considera o habitual trote como o primeiro momento de integração dos alunos ao ambiente universitário: “o trote é um momento de socialização em que conhecemos nossos veteranos e alguns dos colegas com quem iremos conviver nos próximos anos”, afirma. Apesar de relatar não ter enfrentado dificuldades durante a fase de socialização na universidade, o entrevistado declara que a liberdade proporcionada por esta, e antes controlada no ensino médio, ajuda no amadurecimento dos estudantes: “Essa questão nos permite fazer muitas escolhas, e todas têm consequências, com isso, aprendemos a tomar decisões e nos tornarmos mais responsáveis”.

A promoção de eventos que permitem a interação entre unidades acadêmicas distintas, como festas, ensaios de bateria e treinamento/competição em diversas modalidades esportivas é rotineira. A mãe de Henrique, afirma que a família além de apoiar a nova rotina do estudante, deve ter curiosidade em conhecer as relações vividas dentro do ambiente universitário “existe preocupação porque ele está entrando em um ambiente novo”, demonstrando assim uma ligação entre o ambiente universitário e o núcleo familiar.

A socialização entre alunos e instituição é o que faz a universidade, já que o indivíduo passa a ser instrumento de manutenção e transformação da socialização, pois o socializado é também quem socializa.

- VIANA, Nildo. Introdução à Sociologia. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. p. 105 - 118.
- COSTA, Fabiano. Enem 2013 terá 7,1 milhões de candidatos, diz Mercadante [Internet]. Brasília,G1. Publicado em: 07/06/2013. Visitado em: 29/06/2013. Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/enem/2013/noticia/2013/06/enem-tera-71-milhoes-de-candidatos-diz-mec.html

A ótica de Durkheim sobre o suicídio

A ótica de Durkheim sobre o suicídio


Émile Durkheim (1858-1917) é considerado o pai da sociologia, empenhando-se ao longo de sua vida para consolidá-la como ciência autônoma e específica. Seu esforço contribuiu para que a sociologia se tornasse uma matéria acadêmica. Foi fortemente influenciado pelo positivismo e conservadorismo de Auguste Comte. O pensador era defensor assíduo da utilização dos métodos das ciências naturais na análise da sociedade, sustentou a ideia de neutralidade de valores e instituiu os "fatos sociais" como o objeto de estudo da sociologia. Um dos seus principais estudos foi acerca do suicídio. Mas ora, o que Durkheim considerava como suicídio? 

Para ele, suicídio era qualquer ato direto ou indireto que uma pessoa é capaz de fazer contra si, tendo como finalidade a própria morte. As causas para tal comportamento são diversas, e quando uma pessoa se mata, não é fácil descobrir o que exatamente a levou a isso. 

Durkheim vem mostrar, então, que as causas para tal atitude não tem a ver somente com o indivíduo, mas sim com uma série de fatores sociais. Estes repercutem no indivíduo, levando-o a tirar sua própria vida. Porém, o modo como esses fatores refletem depende muito do modelo de sociedade que se considera.

Organização social, natureza dos indivíduos que a compõem e acontecimentos que perturbam a harmonia do funcionamento coletivo são fatores que influenciam gritantemente nas taxas de suicídio de uma sociedade. Como cada uma possui suas peculiaridades, os fatores sociais vão agir de modo distinto. Assim, diferentes sociedades vão ter diferentes taxas de suicídio. Elas se manterão constantes e uma alteração só ocorreria caso houvesse uma mudança muito brusca na organização do corpo social. 


Durkheim classificou o suicídio em três tipos: Egoísta, Anômico e Altruísta. No suicídio egoísta, há o isolamento excessivo de uma pessoa, onde há enfraquecimento dos laços sociais, da identificação com o próximo e a da solidariedade individual para com o coletivo. Já no suicídio anômico, acontece em situações de desordem social, quando há anormalidade nos valores e tradições de referencia são abalados. E no suicídio altruísta, que é a antítese do suicídio egoísta, acontece quando há apego excessivo, quando a identificação com o grupo é tão forte que o individual deixa de ter importância e há grande identificação do pessoal com o coletivo.


Como citado na entrevista dada pela socióloga Telma Nascimento, a qual está logo abaixo,  casos de suicídios em tribos indígenas têm sido registrados e mostrados na mídia brasileira e internacional. Dentre as tribos brasileiras, a Guarani-Kaiowá, localizada no Mato Grosso do Sul, é a que tem estado em maior evidência. E não é por menos. De acordo com a CIMI, Conselho Indigenista Missionário, essa tribo detém um dos mais altos índices de suicídio no país e no mundo. Ainda segundo a CIMI, a cada 6 dias, um jovem da tribo Guarani-Kaiowá tira a sua própria vida. Dentre os motivos citados pelos indígenas estão ausência de tratamentos para doenças, a falta de perspectiva de territórios demarcados e seu confinamento em reservas.

Nesse caso o suicídio é usado como uma fuga para problemas que essa sociedade enfrenta. Todavia, se analisássemos este ato com ‘’olhos cristãos’’ o condenaríamos. No cristianismo o suicídio é pecado, sem salvação, já que segundo a religião ninguém tem o direito de tirar a sua vida, ou a do outro, somente Deus tem esse poder.

Já em um grupo islâmico, o suicídio é visto como um ato heroico. Para a Jihad Islâmica da Palestina - um grupo militante palestino, considerado terrorista pelos governos dos Estados Unidos, da União Européia, do Reino Unido, do Japão, da Austrália e de Israel, que prega a constituição do Estado islâmico na Palestina em detrimento do Estado judeu -  quem se propõe a se esforçar em nome de sua religião morrendo por ela como homem-bomba, tem um lugar reservado na paraíso. Esse ato é denominado jihad, e é um ato de suicídio.

Vemos aí que cada cultura tem a sua perspectiva sobre determinado comportamento, logo, não se pode julgar qual é certa e qual é errada. Devemos olhar para tais como possíveis alternativas de modos de pensar. 

O suicídio mostra muitos dados estatísticos que sustentam as propostas de Durkheim, sobre os possíveis motivos que levam uma pessoa ao suicídio. Apesar de muitos críticos contestarem estes dados, sem dúvida, Durkheim foi um dos pioneiros no estudo sobre esse tema tão questionado e estudado no mundo inteiro.


Temos abaixo, a entrevista realizada. 


Telma Nascimento
Durkheim localiza na sociedade as razões que acarretam nesse tipo de comportamento suicida
Telma Nascimento é Doutora em Sociologia e Ciências Políticas (Universidad Complutense de Madrid - Título reconhecido no Brasil pela Unicamp como Doutora em Ciências Sociais), e ela concedeu essa entrevista sobre os aspectos que mais devem ser considerados acerca do suicídio de acordo com a visão Durkheimiana.

GRUPO Como a sociologia encara o suicídio?
Telma NascimentoNa realidade, o suicidio não tem sido objeto de estudo da sociologia, ele foi estudado especificamente por Durkheim. Eu de fato não tenho conhecimento de uma pesquisa sociológica mais contemporânea sobre tal assunto, o que eu tenho visto são algumas análises na mídia ou estudos dos antropólogos sobre a situação de um alto índice de suicídio em algumas comunidades indígenas. Mas sobre o suicídio, eu não tenho conhecimento de uma pesquisa atual sobre a perspectiva sociológica.

GRUPO Qual a principal contribuição que o estudo de Durkheim trouxe para a compreensão do suicídio?
Telma NascimentoO estudo de Durkheim foi feito em um determinado momento de institucionalização da sociologia, e para isso, o estudo sobre o suicídio cumpriu um papel importante. Era naquele momento em que Durkheim estava tentando imputar à sociologia um estatuto de ciência, daí a preocupação dele em analisar os fatos sociais por uma perspectiva científica. Então, ele fez o estudo sobre o suicídio nessa perspectiva, contribuindo para dar à sociologia um caráter de ciência e uma singularidade. Ele vai então estudar o suicídio, que antes era uma preocupação do âmbito da psicologia, tentando trazer para a análise sociológica, partindo do pressuposto de que o suicídio é um fato social, já que é coercitivo, exterior e generalizado. Ele analisa isso fazendo comparações, buscando estatísticas, para poder, inclusive, argumentar que o suicídio é um fato social.

GRUPO Durkheim afirma que existem pessoas mais propensas a cometer suicídio. Quais são elas e como a sociedade as influencia?
Telma NascimentoNa verdade, Durkheim não analisa termos individuais, ele diz que a própria sociedade é quem gera os elementos que concorrem para que o indivíduo cometa suicídio. Por isso ele fala dos três tipos de suicídio, e os três estão ligados a questões que foram geradas num nível social. Ele localiza na sociedade as razões que acarretam nesse tipo de comportamento.

GRUPO Atualmente, quais os fatores sociais mais determinantes nas taxas de suicídio?
Telma NascimentoVemos na mídia muitas reportagens de algumas sociedades em que se percebe um número significativo de suicidas, por exemplo, no Japão e na Suécia. Mas de fato não posso afirmar se existe uma análise científica sobre essa questão. Mas uma coisa interessante que devemos trazer para essa discussão é a visão que o suicídio tem nas religiões. Para os cristãos, ele é um pecado. Para outras perspectivas poderia ser até um ato heroico, vemos isso no jihad. Nesse último caso citado é uma questão de honra o suicídio e acredita-se que dessa forma o indivíduo alcançaria o reino dos céus. 


Reportagem e entrevista feitas por: Júlia Pontes, Renata Bellato, Beatriz Oliveira, Caroline Mendonça e Vitória Caetano.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Karl Marx e a Obsolescência Programada

                 *Por:Ana Carolina Medeiros, Anna Carolina Mendes, Bruna Oliveira, Izabella Veronica e Milleny Cordeiro

        Karl Marx (1818-1883) foi um pensador alemão que ficou famoso por estudar e perceber, como nenhum outro, o modo de produção capitalista e o regime de acumulação de capital. Em “O Capital” de 1867 (obra esta que ficou inacabada), ele analisa a produção capitalista e as formas de extração de mais-valor. Marx acreditava que o trabalho era um meio pelo qual os indivíduos conseguem satisfazer suas necessidades básicas de sobrevivência, e que a divisão de classes estabelece-se por meio da separação entre quem produz riquezas (classe produtora) e quem usufrui de tais riquezas (classe exploradora).
          Ele gerou conceitos a respeito do que é valor do trabalho e mercadoria. De acordo com Marx, o processo de produção de mercadorias é autônomo em relação às vontades humanas, pois o trabalhador realiza um trabalho alienado (não-consciente). Para ele, o ser humano só estará exercendo sua própria essência quando realizar o trabalho não-alienado (teleológico). No “Manisfesto do Partido Comunista” de 1848, Marx e Engels revelam que “Com a extensão do maquinismo e da divisão do trabalho, o trabalho perdeu todo caráter de autonomia e, assim, todo atrativo para o operário. Este torna-se um simples acessório da máquina. Só lhe exigem o gesto mais simples, mais monótono, mais fácil de aprender. Portanto, os custos que o operário gera limitam-se a aproximadamente apenas aos meios de subsistência de que necessita para manter-se e produzir-se. Ora, o preço de uma mercadoria – e, portanto, também do trabalho – é igual a seus custos de produção. Por conseguinte, à medida que o trabalho se torna mais repugnante, o salário decresce”.
         Com a cultura de produção de mercadorias atual, na qual o consumismo é buscado a qualquer custo, uma nova concepção de produção é criada: a “Obsolescência Programada”- diminuição da vida útil de produtos com o intuito de manter o consumidor comprando. Uma frase publicada em uma revista de publicidade de 1928 nos Estados Unidos revela o que move essa nova concepção: “Um artigo que não se desgasta é uma tragédia para os negócios”. Com isso, e no contexto de Globalização atual, fica fácil compreender o alcance temporal do Marxismo: “Pressionada pela necessidade de mercados sempre mais extensos para seus produtos, a burguesia conquista a terra inteira. Tem que imiscuir-se em toda a parte, instalar-se em toda a parte, criar relações em toda a parte. Pela exploração do mercado mundial, a burguesia tornou cosmopolita a produção e o consumo de todos os países” (in “Manifesto do Partido Comunista”).
Professor Flávio Munhoz
   Tendo este recorte da teoria Marxista como parâmetro de análise,na entrevista que segue, os Professores Flávio Munhoz Sofiati (Dr. em Sociologia pela USP,2009) e Francisco Chagas Evangelista Rabelo (Dr. em Sociologia pela USP,1992) responderam a perguntas que focaram na concepção de Karl Marx sobre mercadoria e valor do trabalho/trabalhador,fazendo uma ponte com o conceito de Obsolescência Programada e cultura de consumo atual,além do enfoque na Globalização e na ideia de luta de classes.
  
Professor Francisco Chagas








        



    Abaixo,a entrevista na íntegra.
              
          1.  Com o conceito de Globalização em mente, você acredita que as barreiras existentes entre as classes tornaram-se mais frágeis e fáceis de serem transpostas?

Flávio: - Não, na verdade com a globalização elas se fortaleceram, porque você tem uma unidade internacional entre as classes que controlam e administram o capital, então isso possibilitou, por exemplo, uma flexibilização do trabalho, nas relações de trabalho, onde você complexifica essas relações e possibilita inclusive o aumento da forma de exploração, que possibilita a geração do capital. 

Francisco: - Eu acho que é meio ilusório pensar que essas barreiras se tornem mais frágeis, né?! Na verdade elas aparecem mais frágeis, mas eu acho que ela aprofunda esse abismo que existe entre as classes, que não é apenas uma questão de renda, ou de distribuição de renda, é isso e passa,também,por isso. Mas, a globalização se insere nessa reprodução, no processo de acumulação de capital. E com isso, a riqueza aumenta de forma fabulosa, entre as pessoas, os empresários, os donos do capital, ou aqueles que necessariamente não investiram diretamente em empresas, mas jogaram o seu dinheiro no mercado financeiro...você não consegue dimensionar o nível de riqueza dessas pessoas. Alguma coisa do consumo sofisticado, sofisticadíssimo, talvez te dê uma ideia do nível de riqueza dessas pessoas, mas fica sempre muito aquém. Você tem um barco, um avião particular, ou uma mansão, ou apartamento em Paris, Nova York, numa cidade da Alemanha: Frankfurt, e por aí afora,Itália, à beira mar, nas montanhas... isso é apenas a ponta do iceberg. Bom, é verdade que há uma mobilização, não só da chamada elite, ou entendida aí como a classe dominante (a classe econômica dominante), mas a globalização também proporcionou uma mobilidade das classes trabalhadoras, às vezes mão de obra pouco especializada, mas também de mão de obra altamente especializada, permitiu isso e está permitindo. E essa migração muitas vezes também, proporciona um aumento de renda e ás vezes também uma sofisticação de consumo com aumento de renda. E aí você diz – bom, então as barreiras estão flexíveis, fluídas, mas acho que os momentos de crise põe à nu essa ideia, essa ilusão que é criada. Bom, e o que eu digo também, gostaria de sublinhar que não é só ilusão, quer dizer, um trabalhador aqui do Brasil, pouco especializado – oh, essa mão de obra pode ser muito necessária num país desenvolvido e aquilo proporciona um nível salarial muito maior, lá. E o que permite um nível de poupança, coisa que não fazia aqui no Brasil, permite um nível de poupança. Então veja, isso significa que as barreiras se tornaram flexíveis? Não. O que houve foi uma mobilidade vertical que permitiu uma cesta de consumo um tanto mais volumosa, e às vezes até se tornando proprietários, pequenos proprietários, micro empresários e etc. E enquanto isso se deu, os detentores do capital e suas várias manifestações observaram um crescimento muito grande. Então digamos, houve uma certa flexibilidade,onde o que é rico se tornando mais rico, e em alguns casos trabalhadores que tinham um nível de renda baixo aumentaram seu nível de renda, mas a estrutura de classe permaneceu.


2.  Na sua visão, o ideário da classe dominante tornou-se mais sutil e difícil de ser identificado? Por quê?

Flávio: - Não se tornou mais difícil de ser identificado, porém mais sutil porque ele se aprimorou nessas relações discutidas, as fronteiras entre esses países foram superadas, na verdade o próprio termo “globalização” está sendo discutido na academia, na verdade o que nós temos de fato é uma mundialização do capital. Então, tem-se uma flexibilização das fronteiras de relações econômicas de mercado entre os países, mas essas relações continuam muito desiguais, principalmente entre com relação aos países do hemisfério norte em relação aos países do hemisfério sul. Está se complexificando, até mesmo aqui no hemisfério sul, a gente já tem relações bilaterais entre países, como por exemplo, Brasil e China. Mas são relações que mantém a lógica de desigualdade nas trocas econômicas, onde você tem, por exemplo, a venda de produtos de alto padrão tecnológico sem a troca de informações, sem a partilha de tecnologia desenvolvida, então, por exemplo, em alguns casos específicos o Brasil até mesmo já faz isso, com relação aos países latino americanos, como no caso da produção de aeronaves. Nós temos a EMBRAER, que é a terceira melhor empresa, enfim, é a empresa mais desenvolvida no mundo de produção de aeronaves, então nós temos uma relação com os países latino americanos, da mesma proporção que os Estados Unidos tem com o Brasil, de desenvolver produtos de alta tecnologia sem passar o conhecimento tecnológico desenvolvido naquele produto. Nesse sentido você mantém as relações de desigualdade, no Brasil se tem a EMBRAER, mas o que basicamente mantém a nossa balança, na exportação, são os produtos primários, soja, enfim, são produtos de baixa densidade tecnológica e se for pensar do ponto mais geral, são os principais produtos de exportação do país. O Brasil é um grande exportador de café, mas o maior exportador de café do mundo é a Alemanha, que exporta café solúvel, ou seja, compra da Colômbia, por exemplo, que é uma das maiores exportadoras de café do mundo, em natura, e ela industrializa esse café, ela agrega valor a ele. Então em termos de controle de valor, a Alemanha é o maior exportador de café hoje no mundo, não é a Colômbia, porque a Alemanha compra da Colômbia, entre outros, e agrega valor a esse produto, industrializando ele e transformando em café solúvel, por exemplo, e nesse processo nas relações internacionais ela acaba mantendo sua hegemonia. Então, o próprio conceito de globalização é um conceito em debate na academia, o que nós temos na verdade é uma mundialização do capital, mesmo porque, se vocês forem para outros países hoje, Estados Unidos ou a Espanha, precisa-se de vistos. Em determinados países é muito difícil ter um visto, as relações econômicas de indústrias brasileiras possuem muitas barreiras, com relação ao estabelecimento no mercado norte-americano. No caso da produção de suco de laranja, por exemplo, a Cutrale, que é uma empresa brasileira, que está estabelecida nos Estados Unidos, enfrenta uma série de barreiras para vender seu produto dentro do mercado interno norte-americano, diferentemente dos produtos norte-americanos que chegam ao Brasil, as facilidades são muito maiores.

Francisco: - Será? Eu devolveria a sua pergunta fazendo a outra, quer dizer, será?! Se talvez a própria classe dominante muitas vezes é sensível, desenvolve o ideal que eu chamaria de civilidade, respeito às diferenças e etc. Mas por outro lado, está muito claro também que eles não abrem mão do controle da riqueza que eles têm. Então nós podemos compartilhar algumas ideias igualitárias, e às vezes até libertais: eles podem compartilhar porque pra eles não tem custo nenhum.O custo que eu to dizendo não é o desembolso de alguma contribuição que possa dar, porque aquilo pra ele é insignificante diante da riqueza acumulada. Então, esse ideário de igualdade, de civilidade daqui da esfera civil mesmo,pode ser compartilhado sem comprometer de forma decisiva os interesses da chamada classe dominante, é assim que eu entendo.

            3.  Para Marx, o que adiciona valor a uma mercadoria é o trabalho. Este valor continua presente após a inserção de tecnologia no processo produtivo? 

Flávio: - Sim. O que é importante levar em consideração com relação ao Marx? Quando ele fala que o que dá valor ao capital é o trabalho, ele está dizendo que é um trabalho específico que envolve uma relação, o capital econômico é considerado como valor. Mas do ponto de vista sociológico, o capital é uma relação social, que é estabelecida entre dois grupos sociais específicos de classes distintas, que são divididos em classes a partir do local no qual estão inseridos no sistema de produção. Então Marx vai dizer que existem duas classes antagônicas, não são as únicas, mas são as duas antagônicas, que são os burgueses, ou seja, os capitalistas, os empresários, utilizando os termos mais atuais, os donos dos meios de produção e os possuidores da força de trabalho. Então vamos tentar exemplificar, o que são os meios de produção? São as máquinas e os insumos. Uma fábrica de produção de suco de laranja enlatado envolve a produção da laranja e o maquinário, que transformam aquilo que é natural em produto industrializado. Só que do outro lado do processo de produção se tem a força humana, que são os que possuem a força do trabalho. Nessa relação, se poderia pensar que é uma relação entre burguesia e o proletariado, o empresário e o trabalhador, mas Marx vai mostrar que há uma relação de parceria. Na verdade, o trabalhador em geral produz mais valor do que ele recebe na forma de salário e, devido a isso, há a geração de capital, que é basicamente pensada na lógica do lucro, juros e da renda da terra. No caso da empresa, o lucro; no caso do capital financeiro, a bolsa de valores, enfim, os juros; no caso do trabalho rural, a renda da terra. Então é o valor que o trabalhador produz a mais que irá gerar a produção de capital. Em geral, se ele trabalha oito horas e ganha cem reais por essas oito horas, os cálculos matemáticos mostram que essas oito horas que ele trabalhou gerou em média mil reais em valor. O capitalista fica, destes mil reais, com novecentos reais e paga cem reais para o proletário em forma de valor, então há uma exploração, a partir da extração daquilo que Marx vai chamar na sua obra de mais-valia. O que é a mais-valia? É essa diferença que se tem na hora de pagar o salário do trabalhador e o que ele de fato produz e gera lucro pro capitalista. Há dois tipos de mais valia, a mais valia absoluta e a mais valia relativa. A absoluta é o tipo de exploração ao trabalhador que existia principalmente no início do capitalismo, em que se extrai mais valia aumentando as horas de trabalho do operário. Hoje se tem, basicamente na industrialização brasileira e mundial, o tipo de mais valia relativa que, ao invés de investir em mais horas de trabalho para explorar o trabalhador, investe em tecnologia com melhores maquinários, com melhor estrutura de produção, que faz com que o trabalhador produza mais com menos horas de trabalho. Então vou dar um exemplo : não sei se vocês já usaram algum produto da Lupo (agora o Neymar está aí fazendo propaganda), tem cuecas, meias, lingeries; a Lupo, nos anos 90, tinha 4.000 funcionários. Era uma empresa que trabalhava mais com mulheres, então quem visitou a Lupo nos anos 90 encontrou um galpão enorme com um monte de maquininhas pequenininhas, com duas ou três mulheres operando. Quem vai para a Lupo agora, entre 2010 e 2013, não encontra mais 4.000 funcionários, já não tem mais aquele galpão com maquininhas pequenininhas com duas ou três funcionárias juntas. Na verdade você tem um grande galpão, mas com grandes maquinários e do lado uma salinha de computadores, onde basicamente a produção é informatizada, e você tem meia dúzia de funcionários trabalhando na informática e conduzindo as máquinas automaticamente, e meia dúzia de funcionários tentando ajustar o que sai da linha de produção. Então, percebe-se que a Lupo, dos anos 90 pra cá, triplicou a sua produção e a sua venda no mercado. Como ela fez isso? Investindo em tecnologia. Então ela deixou de lado as máquinas que eram obsoletas, de produção de meia, e investiu em tecnologia, comprou um maquinário, que produz muito mais meias por hora/unidade, com menos funcionários. Então esse é o tipo de mais-valia relativa, ou seja, é o investimento na tecnologia que possibilita a exploração do trabalhador com menos horas de trabalho dele, e isso aumentou cada vez mais o desemprego. Trouxeram uma empresa que antes trabalhava com 4000 funcionários e hoje com 1000, e esses 3000? Foram para o mercado informal, para aquilo que o Marx vai chamar de exército industrial de reserva.

Francisco: - É... não. Aí permanece, não é. Mas na linha da ideia do trabalho morto, do trabalho que foi agregado e que hoje você não vê.E aí você precisa trabalhar com a ideia da mais valia absoluta e relativa.

          4. Marx acreditava que a divisão social do trabalho é que cria as relações desequilibradas entre possuidores dos meios de produção (classe dominante) e detentores da força de trabalho (classe dominada). Com a cultura de produção de mercadorias visando um consumo exacerbado e acelerado, é possível visualizar uma nova classe mais ou menos homogênea (classe consumidora)?
     

 Flávio: -Não, na lógica do Marx não. Já na lógica de outros pensadores é até possível pensar isso aí, por exemplo a partir da perspectiva de Weber, que vai dividir a sociedade em extratos sociais. Mas, na lógica do Marx, a classe social não é dividida a partir da lógica do consumo e sim, na lógica da produção. É impraticável pensar em uma classe consumidora, como se fala hoje em classe C (a nova classe média). Ela é pensada em uma lógica de uma classe que passou a consumir mais produtos específicos, da linha branca, de eletrodomésticos, financiamento de casas e também carros e de imóveis não é?! Do ponto de vista de Marx, isso é impraticável, pois ele vai pensar as classes sociais a partir da produção do homem e não do consumo do mercado. O que você tem, na verdade, é uma homogeneização de um estilo de consumo presente no contexto contemporâneo, que passa pela lógica da financeirização.


  Francisco:-O sistema social experimenta uma grande transformação, até que ponto essa transformação implica na geração de uma classe de consumidores? E aí, pra que você entenda que isso ocorreu ou está ocorrendo seria preciso você fazer uma alteração no próprio conceito de classe, formulado por Marx, pelos marxistas, que colocavam que a existência das classes era determinada pela posição da produção. Então penso que em algumas esferas da vida social há elementos pra se pensar numa possível classe de consumidores ,mas não no geral. Na medida em que prestadores de serviços conseguem um nível de renda muito alto, que permite um consumo recorrente e crescente, em que esfera da vida social isso ocorreria? Aí nós teríamos de fato que ter dados muito mais contundentes e muito mais sistematizados para dizer que isso de fato está ocorrendo, porque pode ser apenas ideias que estão correndo, mas ideias que não expressam de fato o movimento social, a dinâmica da sociedade.

       5. Marx discorre sobre a exploração na sociedade capitalista usando como base a mercadoria.Tendo em vista que a obsolescência também é voltada para a mercadoria,é possível traçar um paralelo?
      
      Flávio: - Por que o Marx começa a sua obra chamada “O Capital” com o primeiro capítulo intitulado “A mercadoria”? Ele tentou organizar a sua obra de forma pedagógica para que as pessoas entendessem. Então ele começa explicando como era a mercadoria,para mostrar como ela surge no mercado industrial. E um dos aspectos dessa mercadoria é a questão da sua forma valor, ou seja, a mercadoria, antes de tudo, também é uma forma valor, assim como o salário e os lucros.E a mercadoria, na verdade, é uma estrutura de valor incorporada na lógica de dois tipos específicos de valor, que Marx vai chamar de valor de uso e valor de troca. A mercadora tem esses dois valores, porém o que predomina na mercadoria é esse valor de troca. O que é o valor de uso? É aquele produto que é feito pensando na lógica do consumo. Então, toda mercadoria tem sua utilidade, não tem? Você não vai comprar nada que não seja útil. Evidentemente, que no mundo atual, nós estamos criando artificialmente, cada vez mais, necessidades que não se justificam, mas que possam se justificar pela própria lógica da nossa sociabilidade. Vamos usar como exemplo os telefones. Você tem um Iphone 4S, só que já chegou o Iphone 5. Para você, por conta de todo um processo de propaganda e sociabilização que se tem, o Iphone 4S daqui a pouco vai se transformar numa máquina obsoleta, não vai mais servir para o que você precisa porque o Iphone 5 já tem um sistema ios7, que foi lançado hoje nos Estados Unidos. Então, tudo isso cria uma necessidade, que um princípio artificial, mas que passa a ser de fato uma necessidade real dentro do contexto de sociabilidade atual. Mas, de toda forma, todo produto que se transforma em mercadoria tem o seu valor de uso, ou seja, ele tem a sua utilidade. Porém ele tem também um outro elemento, um outro tipo de valor que é o valor de troca. Se por um lado ele tem a sua utilidade, por outro ele tem a sua capacidade de ser vendido, de ser comercializado. Marx usa esse termo, mas podemos até substituí-lo, porque na época dele esse era o mais comum, era o mais interessante para pensar as relações de mercantilização da mercadoria(que é a sua capacidade de ser trocada). Hoje, a gente troca por um dinheiro. Mas, enfim, a troca entre dois produtos,no próprio contexto de troca faz com que ele se torne um valor. O Iphone 5 é um produto, é uma mercadoria, mas ele tem um valor, se você for comprá-lo tem que pagar o valor equivalente. Então, a troca é essa, a troca do dinheiro por aquilo que vale aquele produto, ele tem o valor de uso (sua validade), e o valor de troca. O valor de uso fica meio que escondido.Ele desaparece e ao desaparecer, ele acaba até mesmo escondendo a lógica real daquilo, que se apresenta como produto nas prateleiras do supermercado ou da loja em que vende o celular. Nesse aspecto, você tem uma invisibilidade do processo histórico de produção daquele Iphone. Então, você vai comprar um Iphone, só que você comprar ele preocupada em saber como ele foi produzido?Foi produzido na China? Usaram trabalho infantil? Usaram trabalho escravo?... Nós não levamos em consideração isso, porque tudo isso é meio que escondido, invisibilizado. E é isso que Marx vai chamar de fetiche da mercadoria. A mercadoria se apresenta para nós como algo mágico, como se alguém tivesse dado um toque de mágica e o Iphone apareceu. Mas ele foi produzido, pensado, criado. Tem todo um corpo de trabalhadores por trás que pensou no Iphone, que pensou no tênis, naquele produto do 1,99... e um outro grupo de trabalhadores que produziu, na linha de produção. Tudo isso a gente não leva em consideração na hora de comprar, você chega na loja e pergunta “ah, eu quero olhar aquele sapatinho ali da Adidas”,e só quer saber se ele é confortável no seu pé, se vai caber bem, se é do seu número. Você não vai perguntar onde foi produzido,você pode até olhar lá “made in China”, “made in Paraguai”...Você não vai perguntar “mas pera aí, a empresa que fez, que está ligada a Adidas, paga os funcionários hoje em dia? Como é a situação?”(...) Então, tudo isso é o que Marx vai chamar de fetiche da mercadoria. Há um outro aspecto importante, que é a fetichização da mercadoria com relação a nós. Muitas vezes, a gente consume aquilo porque está na moda, o exemplo do Iphone volta nisso. Bem, mas será que o Iphone 4S não resolve as minhas necessidades? Porque eu irei comprar o Iphone 5? Só porque, em geral, os meus amigos já estão com o Iphone 5? Eu tinha um amigo da informática e uma vez ele comprou um pen drive de 64GB, enfim, eu perguntei, “mas Leandro, porque você comprou um pen drive de 64GB? Eu estou com um de 4GB e esse aqui resolve minha vida”, daí ele falou, “só para fazer inveja pros amigos”. Então, tem um pouco essa lógica no nosso consumo, no nosso jeito de vestir, nos produtos que a gente consome, porquê? Porque eles hoje dão até mesmo destaque para a constituição das nossas identidades, passa um pouco por aquilo que a gente consome durante aquilo que a gente usa, veste. Então, por exemplo, você tem a turma dos Apple maníacos, então tem o MacBook, o iMac, o Iphone. Daí, tem até um piadinha para quem tem android,“Você tem um 'aipobre'?”,não é isso? Tudo isso passa por essa lógica da fetichização,ou seja, são elementos que te levam a consumir e a transformar necessidades que seriam artificiais em necessidade de fato reais.
   
             6. Para Marx, o desenvolvimento capitalista se contradiz porque o capital precisa sempre desenvolver a tecnologia e dispensar a força de trabalho,porém a força de trabalho é a fonte criadora de mais-valor. Onde essa contradição se aplica no contexto atual?
     
       Flávio: - Ela não se aplica porque você tem esses dois tipos de mais-valor, de mais-valia. Eu gosto dessa tradução “mais-valor”, facilita para entender, né? O mais-valor era absoluto no início do capitalismo e em alguns países, como a China, ele ainda continua absoluto. Como lá tem muita mão de obra, você tem as empresas repletas de trabalhadores que trabalham 12 a 16 hrs. No Brasil, a gente não vê muito isso,a não ser em confins do país. E daí eu não estou falando só no lado norte ou do miolo do país, que foram, por exemplo, no interior do estado de São Paulo as usinas de cana de açúcar e álcool. Então é no estado mais rico do Brasil que você tem a exploração de mão de obra ,a exaustão. Há gente que morre de exaustão, ou seja, o pessoal produz e trabalha tanto que morre de fadiga. Têm pesquisas que mostram, nos anos 90, o trabalhador cortava oito toneladas de cana por dia, hoje eles cortam em média de doze a quatorze toneladas por dia. Isso é um tipo de exploração de mais-valia absoluta, ou seja, você investe no trabalho humano, explora o máximo de tempo dele. Sim aumentou a produção individual, antes se cortava oito, agora corta doze, mas diminuiu o salário. E daí as usinas, para tentarem enganar um pouco as relações trabalhistas, inventaram a questão da produtividade: você tem um salário mínimo, baixíssimo, de R$ 622,00 e você ganha um adicional de produção. Isso gera uma competitividade entre eles. Percebe que tem elementos, psicológicos aí também no processo? Mas o que predomina, na verdade hoje, no setor mais regularizado da economia brasileira é a mais-valia relativa, ou seja, é o tipo de exploração que envolve mais tecnologia e menos trabalho, mas o trabalho humano ainda permanece como necessário, mesmo que seja numa área, como no caso da Lupo, em que se tem uma sala de informática que controla as máquinas. Aí você tem que ter o controlador, tem que ter o técnico de informática que entende daquilo...Isso exige mais especialização do trabalhador, mais qualificação e é uma coisa que a gente ouve falar o tempo todo na universidade. Por exemplo, vocês terão um diploma de comunicação social com habilitação em jornalismo, então não é um diploma genérico de comunicação social. Aqui, a gente tem habilitação em ciências sociais: políticas públicas, bacharelado e licenciatura...E essa especialização é cada vez mais cobrada pelo mercado.
       

     7. No “Manifesto do Partido Comunista”, Marx e Engels alegam que: “As antigas necessidades, antes satisfeitas por produtos locais, dão lugar a novas necessidades que exigem, para sua satisfação, produtos de países e dos climas mais remotos. A auto-suficiência e o isolamento regional e nacional de outrora deram lugar a um intercâmbio generalizado, a uma interdependência geral entre as nações.” Com a interligação cada vez mais iminente de práticas produtivas entre nações (mais precisamente entre empresas que, juntas, formam grandes corporações), você acredita que a prática essencialmente capitalista de diminuir a vida útil de produtos a fim de que estes sejam substituídos por outros, na busca de alargar o consumismo, pode ser combatida de algum modo?
     
      Flávio: -  Bem, é um pouco do que eu falei já do Iphone, por exemplo. Eu dei esse exemplo porque eu tenho um amigo, que tem um Iphone 3 e não vê a hora de dar um fim nele, porque ele já é obsoleto. Porém, tem um dado importante, o Iphone 3 já não tem mais atualizações. Percebe que a própria empresa estimula esse consumo dos produtos cada vez mais novos? É um pouco dessa lógica, que o Marx já está prevendo lá no Manifesto,na sua obra do século XIX. Por isso eu fico impressionado quando eu estou lendo Marx. Parece que ele falou ontem dessa necessidade, cada vez mais amplificada do consumo. É de fato um mecanismo do capital. O capital precisa se reproduzir o tempo todo e para se reproduzir precisa produzir mercadorias e ,para produzir, mercadorias precisa vender e para vender, nós precisamos consumir. Não dá mais para ter a geladeira que dura duas, três décadas, entende? Nossos avós tinham isso(você vai lá na casa da avó e tem uma geladeira azul, redondona e você abre e ela funciona normalmente). Hoje não. Hoje, a geladeira e o fogão, você troca conforme os estilos. Eles podem até servir, mas não são tão bons quanto eram os antigos. E eles saem de moda! Então é natural hoje você ouvir as pessoas falando que precisam mudar a sala, porque o padrão hoje é outro, então isso acaba gerando necessidades de consumo. O que fazer para combater isso? Eu, a princípio, olhando Marx e outros autores, vejo que não tem outra saída a não ser repensar os valores. Hoje nossos valores estão muito focados mais na moral e menos na ética. Claro que os dois são importantes, mas a ênfase na moral sem a ética faz com que a sociedade seja muito moralista em detrimento de um compromisso mais coletivo, que passa pela lógica da ética. Hoje nós somos muito individualistas e muito consumistas, somos muito competitivos... E é importante que se resgate a lógica da solidariedade, em detrimento da competição; a lógica da coletividade, em detrimento do individualismo e a lógica do consumo útil em detrimento do consumo artificial. Se você é mais solidário e é mais coletivista, você vai ter mais atenção com relação ao que vai consumir, inclusive levando em consideração a sua relação com o meio ambiente. Hoje se tem até uma consciência planetária aumentando com relação a isso, tem até movimentos que falam que, se você quer comprar um celular novo, doe o seu antigo, porque ele vai servir para alguém. Então, eu acho que é importante recuperar essa lógica, que é só a partir disso que você consegue repensar um pouco essa realidade atual, que nos está levando para um contexto meio que apocalíptico. As matas estão acabando, o petróleo está acabando, enfim, as matérias primas são finitas e daí a gente ta falando que não tem petróleo, mas tem álcool. Ter o álcool significa plantar mais cana de açúcar e ter menos espaço para arroz, feijão, mandioca, batata, que a gente come. Enfim, os grandes agricultores, o agronegócio não está voltado para a alimentação, está voltado para a produção de cana de açúcar, pra álcool, soja para ser industrializada e outras coisas mais. Não é para o consumo direto e esse é um problema. A gente está pagando cada vez mais caro no feijão, no arroz, na batata, porque tem cada vez menos produtores. Enfim, é um pouco isso. 
    
        Francisco: - Eu queria pensar isso nos mesmos termos que Marx se coloca, quer dizer, em vez de descer das ideias para a realidade, partir da realidade para as ideias. E aí eu diria para você, seria muito difícil. Pensando do ponto de vista das ideias, há movimentos sociais lutando por isso. E porque isso não é eficaz? A relevância disso é pequena, diante desse processo geral, internacional, etc. teríamos que trabalhar aí com a questão do esgotamento das fontes de matéria prima, mas isso também significa o quê? Já se consegue sair dessas limitações das fontes de matérias primas porque se criam outras, mas acho que não faria mal a gente pensar que os recursos vão se esgotar, mesmo que seja lá na pontinha tem sempre uma fonte natural, e pode se pensar em cima do esgotamento dos recursos do planeta, fora disso, eu acho que esses movimentos são bem vindos, de luta, para que não entre de vez e de forma absoluta nessa obsolescência programada dos objetos, dos bens que atende as necessidades, acho politicamente interessante, mas, quero pensar- e lá na base? Na base, eu acho que teríamos que pensar numa hipótese dessa natureza, no esgotamento total dos recursos.
                                          
                                        

Entrevistas sobre luta de classes e a onda de protestos no Brasil.

Carolina Otto; Carol Ceo; Victor Lemos; Italo Wolff; Lucas Gomes; Rithelly Samara;


O momento histórico no qual o Brasil esta inserido trouxe a tona os problemas que o capitalismo gera, principalmente a desigualdade social. Quando o estado não conseguiu prover transporte publico de qualidade e ainda assim aumentou o preço das passagens de ônibus, a população (principalmente a classe media) decidiu se rebelar e ir às ruas protestar.
Tais protestos incitaram o povo a reivindicar alem do transporte: saúde, educação e reforma política. Sendo assim o povo, que se comportava passivamente, mostrou que também podia se rebelar.
A seguir abrimos uma discussão sobre o conceito de luta de classes por Marx relacionando aos protestos com o conceito. Essa discussão foi feita com estudiosos de historia e de ciências sociais da Universidade Federal de Goiás, tendo como foco principalmente os protestos em Goiânia.


ENTREVISTADOR:
Como você relaciona as proposições de Marx com as propostas que os manifestantes estão fazendo?

JOÃO AFONSO:
Cursa História na UFG

Tratando-se do movimento Passe Livre, observa-se um anseio do deslocamento para o âmbito público o transporte coletivo, que está no âmbito privado.
Discute-se sobre trocar o valor do transporte. Em lugar de um valor de troca, é proposto o valor de uso à tarifa.
Sobre a luta de classes, eu entendo que a atual manifestação, apesar de, inicialmente, ser classista, tornou-se uma luta relativa ao sistema político em detrimento das críticas ao sistema econômico, congregando várias classes com as mesmas reivindicações. Portanto, não seria mais uma luta de classes.


IAGO MONTALVÃO:
Cursa História na UFG

Acredito que as manifestações pelo passe livre tinham caráter classista. Mas essa pauta classista se perdeu, juntamente com o tom de revolução, resultando numa queda das manifestações ao vazio, perdendo o sentido, uma vez que se torna um movimento do explorador que marcha ao lado do explorado, caracterizado por um viés apartidário.
A prova disso são as reivindicações conservadoras de direita (como a redução da maioridade penal, ou proibição do aborto) em meio a um protesto de esquerda progressista.

RAFAEL BARRA
Cursa Ciências Sociais na UFG

Ao mesmo tempo que o movimento é marcadamente classista, perde um caráter de classe ao se tornar parte de um movimento anti-conflito. A apropriação do grande capital (direita, mídia) que tenta trazer a perspectiva legalista ao movimento com seu discurso de não violência tira da luta o que há de luta.

DANILO SANTANA
Cursa Ciências Sociais na UFG
Eu observo uma cooptação do movimento pela Grande Mídia e pelo estado. Acredito que haviam pessoas com consciência de classe nas passeatas, mas haviam muitas pessoas que estavam ali sem saber o porquê.
Quanto ao “gigante que acordou”, eu acho que esse gigante é um Leviatã.

CARLOS MAGNO
Cursa Ciências Sociais na UFG

Acredito que a manifestação é filha da luta de classes, resultado das contradições do capital. A temática dos protestos tem sido ligada à classe trabalhadora, mas não é resultado de uma consciência de classe. Ela poderia ser algo embrionário à essa consciência, mas ainda puramente reativa.

Ainda não se reflete a respeito do papel do estado ou sobre o sistema econômico. O preço da passagem abaixou, mas o dinheiro que as companhias de ônibus vão perder será descontado do ICMS dos trabalhadores, ou seja, novamente quem paga somos nós. E isso não gerou revolta. Isso prova que não há uma crítica estrutural, apenas reação às circunstâncias imediatas.